quarta-feira, 18 de maio de 2011

(Paisagem - Imagem - Linguagem Sonora - Público - Performer - Situação)


Como havíamos deixado em aberto anteriormente, voltamos agora para discutir os elementos conceituais de composição cenográfica do experimento Cleansed-ES3, desenvolvido pelo Coletivo ES3. Outros pontos ainda serão retomados, mas vamos por partes, as promessas de qualquer forma permanecem e os elementos sobre os quais não discutimos anteriormente e que deixam ainda muito espaço para discussão serão retomados. Vamos lá.
Observemos então os espaços conceituais abordados pelo trabalho, a começar pela idéia de paisagem. Ao buscar a significação da palavra paisagem podemos encontrar nos dicionários da língua portuguesa uma aproximação muito marcante com a idéia de imagem, da paisagem como entidade visual, mas a quê mais de fato nos referimos quando falamos da observação de uma paisagem?
Recorramos aqui a uma abordagem mais contemporânea deste conceito, e então pensemos para tanto no esboço de uma paisagem a nossa frente, seus elementos em toda sua complexidade e simultaneidade. A primeira instância é talvez a imagem da paisagem, seus elementos visualizados, sua plasticidade, contudo pensemos na idéia de imagem não apenas sob o predomínio da visão. Como sugere Christine Greiner (2005), a partir das leituras de Antônio Damásio, ao comentar os componentes neurocientíficos da relação entre corpo e percepção da imagem:
“Para Damásio o termo ‘imagem’ quer dizer um ‘padrão mental’ com uma estrutura construída através de sinais provenientes de cada uma das modalidades sensoriais (visual, auditiva, olfativa, gustatória e somato sensitiva ou somato-sensória)” (GREINER, 2005: 72).

Observando esta noção de fios de encontro entre corpo e paisagem através dos sentidos, e não sob o princípio de prioridade de um sentido, vemos então que a imagem, a paisagem com a qual nos defrontamos ao testemunharmos a cena projetada pelo grupo ES3 investiga, com efeito, esta perspectiva de construção. Parece haver grande consciência deste princípio em sua proposta cenográfica, se pensamos que usualmente a cenografia é tomada como componente visual da narrativa na cena, e que se esquece da perspectiva múltipla da imagem da paisagem.
A expansão que comentamos nessa proposta cenográfica é justamente da ordem desta compreensão, a cenografia como meio híbrido de construção do espaço, não apenas através de seus enlaces visuais, mas no caso que aqui discutimos também, por exemplo, também auditivos. A linguagem sonora como arquitetura instável da produção de um espaço aéreo, em constante elevação e demolição, construtor de estados corporais, de materialidade cênica na relação com o receptor, alterando numa performance contínua suas feições e leituras, ações e reflexões.
Esta relação distinta com o receptor parece muito própria da linguagem sonora, como domínio autônomo, e de suas abordagens junto à cena, como coloca Livio Tragtenberg (2008):
“A linguagem sonora atravessa diferentes linguagens. Atravessa porque é de sua substância certa imaterialidade. São de seu domínio o ar e o pensamento. (...) Falar da linguagem sonora aplicada a outras linguagens é falar, necessariamente, em recepção. Não é possível excluir o receptor do processo de reflexão sobre a existência e os efeitos que o discurso sonoro provoca. E na medida em que incluímos o receptor como vetor, onde o processo de comunicação e mesmo de concepção se completa” (TRAGTENBERG, 2008: 174, grifo do autor).
A referência de Tragtenberg nos traz a vista a fundamentalidade da recepção, do público, nesse cenário de uma paisagem complexa de elementos visuais e auditivos, que dentre outros compartilham e rivalizam entre si na construção do espaço cenográfico, da imagem sonora e do som paisagem. Está justamente nesse ponto nossa referência ao princípio de situação desenvolvido por Josette Féral, ao discutir o trabalho do grupo Théâtre du Soleil. Este conceito condiz na visão de Féral a um estado de presença do ator na busca do momento único constituído a cada apresentação pela presença do espectador/participante. A situação como um espaço que insurge entre espectador e performer, que depende da ação de ambos para estabelecer-se.
De maneira resumida, são estes os elementos que compõem o cenário da performance que coletivamente construímos (Paisagem - Imagem - Linguagem Sonora - Público - Performer - Situação). Cabe Lembrar que esta proposta cenográfica foi participante da Mostra de Escolas Brasileiras de Cenografia realizada na ECA - USP, onde foi selecionada como um dos melhores projetos para integrar a Mostra Brasileira de Cenografia na Quadrienal de Praga 2011.



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