Em junho de 2013, o Coletivo ES3 recebeu uma ótima notícia: a performance "Paisagem Espinhal" foi aprovada para a Mostra Nacional Competitiva do Salão de Abril que está em sua 64ª edição. Para aqueles que não conhecem, o Salão de Abril é um dos mais importantes do cenário nacional das artes visuais, completando, em 2013, setenta anos idade. A curadoria responsável pela seleção dos trinta trabalhos foi realizada por Ricardo Resende, Eder Chiodetto e Diego Matos.
Em agosto deste ano teve o prazer de apresentar a performance "Paisagem Espinhal", selecionada pela curadoria, na abertura do Salão de Abril, no local da exposição dos trinta trabalhos: o Sobrado Dr. José Lourenço (Fortaleza - CE).
Às 17:00h do dia 23 de agosto, o performer do Coletivo ES3, André Bezerra apresentou-se no auditório do Sobrado. Utilizando uma estrutura simples, mas potente, "Paisagem Espinhal" coloca diante do público o performer, vestido com um terno preto, e com suas mãos e cabeça cobertos por um acolchoado de algodão. À frente dele se encontram três cactos de diferentes tamanhos sobre uma mesa.
A ação constitui-se no movimento de carícia nos espinhos do cacto, por parte do performer. Essa carícia desmancha o algodão e atinge a pele do performer, que insiste no movimento. Enquanto a ação se constitui, o público ouve ao fundo a leitura gravada pelo performer do "Manifesto Anti-Nordestino" de sua autoria.
A experiência muito marcante e enriquecedora no Salão de Abril, rendeu diversas discussões com colegas novos e antigos, questionando e inferindo leituras a partir do espectro identitário da relação entre o performer e os cactos, numa fronteira entre a violência e a delicadeza, entre a subjetividade e o pertencimento, entre o corpo e o lugar, a tradição e o indivíduo.
Gostaríamos de agradecer à Dora Freitas por sua produção apurada e providencial em todos os momentos, e à todos os técnicos e demais produtores (Bruno, Carlos, Jordânia) que nos ajudaram a colocar novamente essa paisagem no mundo.
Abaixo seguem os registros da ação. E logo após um trecho do "Manifesto Anti-Nordestino".
Foto: Chrystine Silva. |
Foto: Chrystine Silva. |
Foto: Jarbas Oliveira. |
Foto: Chrystine Silva. |
Foto: Jarbas Oliveira. |
Foto: Jarbas Oliveira. |
Foto: Chrystine Silva. |
"Parte um.
Afinal o que somos o Nordeste? Um vício de percepções
erradas somos Nordeste, percepções dos olhares que tentam nos comprimir em um
único bloco. Mas afinal que ação de poder mais contemporânea do que ser um
bloco, uma rede articulada?
Para haver nordestinos é preciso que hajam também
sudestinos, sulistas, centro-oestistas, nortistas.
Pensemos em redes, em blocos, ou pensemos em fraturas, ou
pensemos em ser capazes de pensar das duas formas sem necessidade de anulação
de uma pela outra, não somos os baianos como chamam os paulistas, ou paraíbas
como chamam os cariocas, somos de outra ordem, muito mais múltipla e
compartilhada, da flor, espinho, seca, mangue, praia, asfalto, lixo, prédio,
avião, assalto, crack.
O cartão postal e a carta dos separatistas, uma
imagem e a reivindicação de mil outras, tecno-mangue, ciber-praia, etno-seca.
Nas artérias entupidas, na farinha com açúcar que
minha mãe comia quando passava fome, na minha avó proibida de entrar na escola
por ser negra, no meu pai com crescimento atrofiado por carregar baldes de água
de muito longe para sua casa, no meu avô tarrafeiro, na minha avó cristã sem
querer mostrar seu seio com um caroço do tamanho de uma laranja ao médico, no
meu avô que comeu barro molhado para matar a fome e a sede, o nordeste morre em
cada um de nós e cria uma outra tradição, a tradição dos corpos alterados. A
tradição não existe isolada, a contaminação está gravada nas fusões sem fim de
outros mundos que a experiência de cada corpo cria".
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