Na constante busca por referências em que consiste um processo criativo, me deparei com um texto lido por mim há mais de um ano e que, em detrimento do brilhantismo do texto, acabou por passar desapercebido dentre outros tantos textos desse autor que é um dos meus preferidos, Franz Kafka (1883-1924). Me refiro aqui ao conto "Um Artista da Fome" de 1922, na qual o autor trata de uma profissão há tempos esquecida, a de jejuador. Como em vários outros contos e livros de Kafka, o artista em questão caracteriza um arquétipo do autor que também lutou durante toda a vida por fazer-se acreditar, embora tal luta não tenha gerado bons frutos até sua morte, visto que até mesmo seus pais recusaram-se a escrever em sua lápide sua verdadeira profissão, escritor.
O texto em questão caracteriza um verdadeiro grito em manifestação de suas inquietações pessoais e políticas, que se mostram extremamente atuais aos quais me referi anteriormente como "Artistas da Arte". Minha identificação com este texto foi imediata, a luta por fazer-se acreditar, a eterna insatisfação com seus próprios feitos, o fato de viver na tentativa de encontrar o "alimento" que lhe agradasse. Estas são questões inerentes não apenas ao processo que criação a que me refiro, que teve seu início tumultuado por barreiras e temores pessoais, como também com minha própria vida e relação familiar.
Optei por utilizar as metáforas que o texto propõe entre o ficcional Artista da Fome e minha real condição de Artista. É válido salientar que a organização do texto na cena está ainda em processo e que a ele será acrescentado um manifesto pessoal que vem sendo escrito e lapidado por mim desde o início deste. O contato com o texto kafkiano trouxe uma maior clareza no tema gerador do processo, que transpõe as barreiras do pertencimento a um espaço para tratar do pertencimento à um grupo social de artista, latino-americana, nordestina, mulher, negra; e a reflexão sobre esta condição que deixa de ser pessoal para ser coletiva, política.
Chrystine Silva
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