Dia
6
“E eu
poderia dizer que sou meu corpo?
Se eu
fosse meu corpo ele me doeria assim?
Se eu
fosse meu corpo ele estaria velho assim?
O que é
a linguagem do meu corpo? O que é a minha linuagem?
(Hilda
Hilst, Agda)
Hoje
conheci Denise Coimbra, escritora, psicóloga e nova residente da Casa
apaixonada por pessoas e suas histórias, e através do deslumbramento dela
percebi o quão ricas são as histórias que ouço e repito desde pequena sobre
meus pais e a luta de seu início de vida, da minha família. Uma conversa no
café da manhã que, sem dúvida, acendeu ainda mais a luz desse dia lindo que
começa.
Depois
de tratar das questões práticas de diários de bordo e de divulgações do curso
que daremos na volta para casa, me volto para o texto “A Obscena Senhora D”,
sobre o qual idealizamos um vídeo que foi filmado hoje próximo aos canis numa
casinha abandonada, ou derrelida, sem
teto ou porta.
Partimos
do que Hilda chama no texto de Derrelição,
nome que o marido de Hillé dá para ela e que permeia este texto/delírio de seu
leito de morte tomado por diversas vozes que ecoam em sua própria voz. No
texto, Hilda escreve: “Derrelição Ehud me dizia, Derrelição – pela última vez
Hillé, Derrelição quer dizer desamparo, abandono, e porque me perguntas a cada
dia e não reténs, daqui por diante te chamo A Senhora D. D de Derrelição,
ouviu?”.
Essas
pessoas serão trabalhadas no vídeo como molduras, quadros que permeiam a
paisagem do texto, assim como fotografias antigas permeiam as paredes da sala
de Hilda. Como sonorização, a repetição do trecho do poema de Hilda intitulado
“Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé – De Ariana para Dionísio I” musicado
por Zeca Baleiro: “É bom que seja assim Dionísio, que não venhas”, que trata da
preparação de Ariana para a vinda este Dionísio que não chega. Através deste
trecho pensamos a espera de Hillé pelo seu próprio descanso indagando a Ehud
como é o tempo no úmido do fosso onde ele se encontra morto.
Na
escrita de Senhora D, Hillé é só perguntas, sabe-se sua idade e seus
questionamentos, porém é impossível saber de sua aparência física. Algo que
pode ser uma pista dessa aparência pode-se ver já no fim do texto, nas palavras
do Porco-Menino, um dos nomes que Hilda dá ao Sagrado em outros textos, mas
definido aqui como aquele que gosta de porcos e também de gente: “Um susto que
adquiriu compreensão, isso era Hillé”. Deste “susto” podemos retomar momentos
do texto em que Senhora D em sua obscena lucidez fazia aparições em sua janela
que aterrorizavam os vizinhos, talvez por revelar outras partes do corpo ou
talvez pela sua aparência, não se sabe.
Numa
tentativa de síntese da ideia que pretendemos explorar no vídeo, o ponto
central é a própria investigação da Derrelição e dos vazios (ocos) que se tenta
preencher em movimentos. Desta vida que caminha para o fim acompanhado pelas
vozes/delírios/memórias e, como coloca Hilda “meus cães, dos três pássaros,
pedaços de frases
Incrível sol morrendo
Noite dor daqui a pouco
Luz palidez amanhã
Estranho cães sabem”
Diante
dessas reflexões, e das lindas imagens captadas, trabalharemos na edição do
vídeo, na ânsia de publicá-lo em breve. Expresso aqui um desejo de finalizar o
vídeo como Hilda finaliza a obra:
“Livrai-me, Senhor, dos abestados e dos
atolumados.
Casa
do Sol, 17 de bril de 2014.”
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