quinta-feira, 17 de abril de 2014

RESIDÊNCIA NO INSTITUTO HILDA HILST - DIÁRIO DE BORDO



Dia 5

“Calma, tudo não é assim, escuridão e morte”.
Hilda Hilst, Fluxo.

Tao dos labirintos. Caminho que questiona a si mesmo. Se ser, si ser. Os movimentos da escrita de Hilda lapidam com golpes de um pendulo irrefreável a possibilidade de um Deus, de muitos deuses, que também são maldade, que com, ou sem, seus politeísticos panteões resguardam em sua carne ausente e suspeita aquilo que há em nós que causa nojo a nós mesmos.
            Nas biografias de santos na biblioteca pessoal dela, nos diversos símbolos de tantas religiões que coabitam as mesas da sala da casa dela, nos símbolos místicos espalhados pela casa, uma pergunta no oco, a pergunta da hipótese de Deus, ou um deus, assim minúsculo, ou ainda de um deus-Lázaro, morto que há de voltar. E no oco o eco que constrói os labirintos sobrepostos de Fluxo-Floema, Qadós, Lázaro, O Unicórnio, O Oco e Um Cálido In Extremis.
Acordamos nesse dia com um grito de sol que salta a janela, e de armas na mão nos assalta do sono e nos joga na direção de um dia intenso de trabalho. Saímos para diversas paisagens dessa carne flutuante da Casa do Sol, pela palha e capim, mármore e madeira, folhas secas e espinhos encarnados, galhos gigantes e odes mínimas feitas de pedra. Com elas damos vida a novas pétalas de carne, gritamos ao vento outros nomes de deuses, Cão de Pedra, Grande Corpo Rajado, Grande Perseguidor, O Incognoscível, Cadela de Pedra, Construtor do Mundo, Sumidouro, O Isso, O Mudo Sempre, O Semeador.
Imagens de carne corroída, e escavadas até o osso... mas, que osso? Buraco de todas as coisas, caímos em nós mesmos olhando além, e nos quebramos em mil pedaços gelatinosos, sem osso de coisa sólida, só a passagem do tempo que corrói.
Durante a noite participamos de um sarau na Casa do Sol, um sarau para Hilda após a lua sanguínea, vermelha da madrugada desse dia. Lemos trechos de Qadós e Floema, ouvimos outros, de Obscena Senhora D., Poemas Malditos, Gozosos e Devotos, Bufólicas, Contos D’Escárnio, entre tantos outros, debaixo de um céu limpo e estrelado, que antecipadamente celebrava o aniversário de Hilda, ainda viva, figueira de coisas que ainda descobriremos junto dela.
Assim se foi esse dia, assim vem o outro. Com nossos olhos de cão passeamos para a metade final de nossa passagem aqui.

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