sexta-feira, 18 de abril de 2014

RESIDÊNCIA NO INSTITUTO HILDA HILST - DIÁRIO DE BORDO



Dia 6

“E eu poderia dizer que sou meu corpo?
Se eu fosse meu corpo ele me doeria assim?
Se eu fosse meu corpo ele estaria velho assim?
O que é a linguagem do meu corpo? O que é a minha linuagem?

(Hilda Hilst, Agda)

Hoje conheci Denise Coimbra, escritora, psicóloga e nova residente da Casa apaixonada por pessoas e suas histórias, e através do deslumbramento dela percebi o quão ricas são as histórias que ouço e repito desde pequena sobre meus pais e a luta de seu início de vida, da minha família. Uma conversa no café da manhã que, sem dúvida, acendeu ainda mais a luz desse dia lindo que começa.
Depois de tratar das questões práticas de diários de bordo e de divulgações do curso que daremos na volta para casa, me volto para o texto “A Obscena Senhora D”, sobre o qual idealizamos um vídeo que foi filmado hoje próximo aos canis numa casinha abandonada, ou derrelida, sem teto ou porta.
Partimos do que Hilda chama no texto de Derrelição, nome que o marido de Hillé dá para ela e que permeia este texto/delírio de seu leito de morte tomado por diversas vozes que ecoam em sua própria voz. No texto, Hilda escreve: “Derrelição Ehud me dizia, Derrelição – pela última vez Hillé, Derrelição quer dizer desamparo, abandono, e porque me perguntas a cada dia e não reténs, daqui por diante te chamo A Senhora D. D de Derrelição, ouviu?”.
Essas pessoas serão trabalhadas no vídeo como molduras, quadros que permeiam a paisagem do texto, assim como fotografias antigas permeiam as paredes da sala de Hilda. Como sonorização, a repetição do trecho do poema de Hilda intitulado “Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé – De Ariana para Dionísio I” musicado por Zeca Baleiro: “É bom que seja assim Dionísio, que não venhas”, que trata da preparação de Ariana para a vinda este Dionísio que não chega. Através deste trecho pensamos a espera de Hillé pelo seu próprio descanso indagando a Ehud como é o tempo no úmido do fosso onde ele se encontra morto.
Na escrita de Senhora D, Hillé é só perguntas, sabe-se sua idade e seus questionamentos, porém é impossível saber de sua aparência física. Algo que pode ser uma pista dessa aparência pode-se ver já no fim do texto, nas palavras do Porco-Menino, um dos nomes que Hilda dá ao Sagrado em outros textos, mas definido aqui como aquele que gosta de porcos e também de gente: “Um susto que adquiriu compreensão, isso era Hillé”. Deste “susto” podemos retomar momentos do texto em que Senhora D em sua obscena lucidez fazia aparições em sua janela que aterrorizavam os vizinhos, talvez por revelar outras partes do corpo ou talvez pela sua aparência, não se sabe.
Numa tentativa de síntese da ideia que pretendemos explorar no vídeo, o ponto central é a própria investigação da Derrelição e dos vazios (ocos) que se tenta preencher em movimentos. Desta vida que caminha para o fim acompanhado pelas vozes/delírios/memórias e, como coloca Hilda “meus cães, dos três pássaros, pedaços de frases

Incrível            sol                   morrendo
Noite               dor                  daqui a pouco
Luz                  palidez                        amanhã
Estranho         cães                sabem”


Diante dessas reflexões, e das lindas imagens captadas, trabalharemos na edição do vídeo, na ânsia de publicá-lo em breve. Expresso aqui um desejo de finalizar o vídeo como Hilda finaliza a obra:

Livrai-me, Senhor, dos abestados e dos atolumados.


Casa do Sol, 17 de bril de 2014.”

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